segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Um desejo difícil de ser reprimido


Quando participava do BCC (Brazilian Crossdresser Club), costumava me reunir com outras CDs. Íamos em eventos, jantares, casas noturnas. Havia até um apartamento no Largo do Arouche, em São Paulo, alugado por várias CDs, que usavam o local para se montar.


Não foram poucas as vezes que tive a mesma conversa com outra cdzinha. Ela estava cansada de ser CD e queria desistir de tudo. Algumas chegavam a jogar fora suas roupas femininas. Vendiam ou davam os sapatos de salto alto para brechós. Atiravam no lixo as perucas e descartavam os utensílios de maquiagem.

Esse esforço inútil sempre me trazia à mente a história de Sísifo, da mitologia grega. O pobre Sísifo, castigado pelos deuses, era obrigado a arrastar uma pedra até o alto da montanha, só que, quando chegava lá em cima, a pedra rolava pelo outro lado. E lá ia Sísifo, novamente, pegar a pedra e arrastá-la para cima. E outra vez a pedra rolava para baixo, em um ciclo interminável.

No caso das CDs arrependidas, que queriam voltar a ser "homens", o movimento é semelhante ao de Sísifo. Passavam alguns meses do bota fora de roupas e maquiagens. Às vezes, anos. E a CD, timidamente, voltava a experimentar uma calcinha. Mais à frente, comprava uma lingerie. Depois, um vestidinho. Depilava-se. Passado algum tempo, ela estava montada. E assim, em um movimento de negação/aceitação interminável, tornava-se "mulher" mais uma vez.

Na semana passada, conversando com uma amiga CD, ela me fez lembrar os tempos de BCC. Disse que não aguentava mais, que era muito sofrimento, que ia jogar tudo fora e que ia voltar a "ser homem", desta vez pra valer. Bastava ter força de vontade e fim de história. Havia muitos casos de ex-gays, ex-travestis, ex-CDS, todos bem resolvidos. Bastava seguir nesse caminho.

Seria muito fácil, se dependesse apenas da chamada "força de vontade". Só que não é assim. Os especialistas chamam esse desejo, que todas nós trans temos, de "disforia de gênero". 

Isso significa que, se você tiver pênis, e se olhar no espelho e não se conformar com as roupas masculinas, o cabelo aparado, os sapatos sem graça, a barba... significa que o seu aspecto exterior não bate com aquilo que você sente por dentro. Quando você troca as roupas masculinas pelas femininas, e volta a se olhar no espelho, se sente bem com o que vê. Você encontra o seu verdadeiro eu. 

O mesmo ocorre no sentido contrário. No caso de uma pessoa que tem vagina e não gosta de usar roupas femininas. E quer ter barba. Tirar os seios. Fazer uma faloplastia (aumento peniano).


Não conheci, pessoalmente, mas soube do caso de uma travesti, que fazia programas e participara até de filmes pornôs, bem conhecidos. Ela desistira de ser trava. Havia retirado o silicone dos seios. Cortado o cabelo. Voltara a ser "homem". Tornara-se pastor e se casara, mudando-se para algum lugar do interior. Esse caso particular seria um bom exemplo de "força de vontade".

Sinto dizer, mas não é bem assim. Quem é trans vai ser trans a vida toda. Pode se arrepender. Pode jogar os vestidos fora. Atirar no lixo o sapato de salto alto. Só que o desejo permanece. Está na genética. É algo atávico. Você até pode reprimir. Usar toda a sua energia, mas o jeito trans de ser vai sobreviver dentro de você. 

Os especialistas dizem que, quando se reprime algo, aquilo se transforma em perversão. No meu caso, lembro de minhas práticas de BDSM com uma amiga. Analisando aquele desejo que eu sentia de ser chicoteada, de apanhar, nada mais era que vontade de estar com um homem, de me entregar a uma pica. Eu tinha reprimido meu desejo de ser mulher, passiva, de servir um homem. E, por isso, pagava o preço na cena BDSM.

Por força das circunstâncias, por causa do trabalho, quando tenho de pegar um metrô, trem, ônibus, sou obrigada a usar roupas masculinas, para evitar um assédio indesejável, às vezes até uma agressão. Não gosto. Me sinto violentada por ser obrigada a usar uma roupa que me faz rejeitar ser quem eu sou. 

Em casa, só uso roupas femininas. Quando saio para ir a um shopping, passear à noite, ir à cabeleireira, uso também roupas femininas. Me sinto bem assim. Encontro meu eu verdadeiro. Amo calçar sandálias, rasteirinhas, sapato de salto alto. Estar dentro de calcinhas e minissaias. Amo ser paquerada pelos homens. Adoro quando eles me levam pra cama e me comem gostoso.

Uma das minhas frustrações atuais é não ser "engravidada". Queria muito sentir um cara gozando em mim, sem camisinha. Adoraria receber o leitinho dele dentro do meu cu. Faz muito tempo, desde a última vez, que deixei um homem gozar sem preservativo. Sinto como uma completa realização, quando ele termina me inundando com sua porra. 

Espero que isso possa se resolver em breve. Não quero ficar tomando Truvada, nem outro medicamento preventivo. Prefiro estar segura que o homem que goza dentro de mim não tem problemas de saúde. Acho que vou aceitar mesmo a oferta daquele menino e me casar com ele.

Veremos...  


  
     

   

9 comentários:

  1. Eu Estou assim , largo tudo e volto, mais quero voltar a ser homem mais é muito dificil quando passo nas lojas e vejo lingerie já da vontade de voltar.. um vicio dificil de larga..

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    1. Não precisa largar. Não é um vício. Nós somos assim. A gente precisar dar a a cara para bater. Ir às ruas. Mostrar que existimos.

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    2. E largar para que ? Vem serdesse "tiozao". Ja que a Barbara nao me quer..... alterfail33@gmail.com

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  2. Olá, eu sou casado e desde os 9 anos ano usas calcinhas, meu desejo e muito reprimido por conta das circunstâncias, acho que sou bissexual, pois gosto de mulher também, mas amo muito uma piroca gostosa,já tentei desistir várias vezes, mas sempre o desejo de se montar é forte demais, ano ser cdzinha e quero fazer uma leve hormonizacao.

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    1. Acontece com vc, Joelma cdzinha, e com milhares de homens, que estão na mesma situação. É muito gostoso se montar e assim que a gente se realiza. Sobre hormônios, é melhor vc ter ajuda médica.

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  3. Acredito que as pessoas que são crossdressers querem parar de serem crossdressers porque no fundo no fundo sabem que isso não é certo.

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    1. Errado é sufocar o desejo. O mundo está mudando e os costumes, também. O que hoje não é aceito, amanhã, o será.

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  4. Me identifiquei muito nessa postagem rss eu sou assim vira e mexe eu deixo de ser cdzinha e não passa nem um mês já volto atrás de roupas femininas e machos...

    Sou casado e ngm da família sabe vivo num dilema profundo a vontade msm seria estar de mulher 24h por dia...

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    1. Comece a falar de si usando o feminino: "sou casadA e ngm..." Faz bem para o ego e a gente vai se acostumando com o destino que nos foi dado.

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É tudo verdade